rio de janeiro e suas belezas

rio de janeiro e suas belezas
I LOVE YOU RJ

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

SAIBA O SOBRE O QUE FALA CADA ENREDO DAS ESCOLAS DE SAMBA _ GRUPO ESPECIAL CARNAVAL 2018


O Império na Rota da China
Introdução
Mal clareou no subúrbio, e eu não falo absurdo…
É tanta lida no seu caminhar, que na escola de samba ele faz o seu altar.
A baiana borda a fantasia, a passista risca o chão de poesia e o poeta afina seu cantar…
É pelo espelho da cultura que o sambista se deslumbra com mundos diferentes
Descobrindo pelo descortinar do enredo, um outro Império, de outras vertentes – Império do Centro. Centro de culturas milenares, sabedorias e tradições
Conhecer a China de raízes, raças, heróis e povos constituídos num só coração.
1. O Império Se Reuniu… Na China 
Ao fundo do suntuoso salão avistamos o sábio que conta para ele sobre a
lenda matriz:
Há 3.000 anos o casulo do bicho da seda caiu no chá da Imperatriz. Ao retirar de sua xícara, descortina um fio brilhante que borda nossa história.
Nasce então a seda verde e branca que nos guiará nessa viagem fascinante
pela memória.
Este fio resistente escreve sinuosamente a história da criação: um mundo de opostos e magia.
Da fênix a prosperidade e do majestoso dragão a sabedoria,
No seu bailar infinito, emanam beleza tal qual a coroa Imperial… Emoldurando em colorida aquarela uma antiga cidade proibida de visão sem igual!
2. Velha Guarda Imperial da China – As Dinastias
Os ventos sopram forte, e a viagem segue pelos seus caminhos… Corações
varonis que cultuam nobreza aos seus ancestrais!
Seus legados deixaram registros presentes em nosso dia a dia Talhados no
tempo: ouro, prata e bronzes das Dinastias.
3. O Samba é Nossa Religião – “Todo chinês é taoísta em casa, confucionista na rua e budista na hora da morte”
O gongo anuncia o Império do samba nos jardins delicados da imortalidade.
Local onde as religiões conduzem ideais de harmonia, paz, equilíbrio e
serenidade.
Do Confucionismo a ética, do Taoísmo o equilíbrio e do budismo o culto aos antepassados.
Povo de alma moldada em magias, talismãs e reencarnação em corações matizados.
4. Pregoa, Pregoeiro: O Mercado é Todo Seu!
Nas areias do tempo, em meio ao deserto árido e ao sol quente, entre
mercadores, pregoeiros e compradores, uma nova era no oriente.
É rota de comercio aberta, “plantando” legados nesse solo fecundo
Soprando nas areias do tempo a “colheita” para todo mundo
O Reizinho maravilhado contemplou as maravilhas que o bravo viajante
relatou: invenções, segredos e tantas magias, com tantas revelações se
encantou.
5. O Meu Império é Raiz, Herança!
Contemplando as paisagens resplandecentes, ouvindo o som das festas dos povos felizes, mirando espelhos e
porcelanas de raro esplendor… Subi bem alto na grande muralha, e mergulhei num horizonte repleto de iguarias.
Guerras, batalhas, vitórias de um exército que não se mexia.
Ao longe bandeiras se agitam e anunciavam o grande circo
Dissipam para todo o mundo, o legado ao som de fogos de artifício.
6. Serrinha Custa, Mas Vem!
Viajar é ótimo, mas retornar à Madureira é preciso!
Na bagagem: chá de modernidade, povo hospitaleiro e das crianças o sorriso
Festejam juntos Imperianos e Chineses o ano novo chinês
E mais uma vez a Serrinha mostra-se uma escola aguerrida,
E Povo, festeja feliz, te homenageando, te escolhendo como a escola preferida!





"Academicamente Popular"



Vindos da fria Europa, com a missão de fundar no Novo Mundo uma nova Academia artística, os célebres virtuosos do Império Napoleônico desembarcam nas águas quentes da Guanabara, trazidos pela vontade soberana de Dom João. Em suas malas, a riqueza da bagagem Neoclássica: réguas, esquadros, pincéis e manuais, o desejo de “civilizar” através da força de seus ícones culturais. Fundam a Escola Real de Ciências Artes e Ofícios para organizar o ensino das artes e estabelecer uma linguagem estética oficial para a corte da nova capital. A nobre arte francesa toca o solo brasileiro para fincar suas raízes e edificar seus conceitos, erguendo colunas de saberes. Era seu destino semear essa nova terra, incrivelmente fértil de possibilidades. A beleza sempre foi a mais cobiçada de todas as bênçãos. Através dos tempos, o homem buscou a forma ideal, a sensação plena da estética. Desde a Antiguidade Clássica, o belo era tratado e considerado uma dádiva dos deuses e cultuado pelos mortais. A arte sempre foi objeto de encantamento e despertar dos sentidos, emoções e sensações – uma das ferramentas mais importantes na construção das alegorias da mente humana.

O povo sempre buscou a força da arte para se entender humano e transcender o “ser humano”, como partes complementares de uma mesma existência. Quis o destino que esse peculiar encontro ganhasse novos e singulares contornos nas terras do Novo Mundo, banhado pelo Atlântico, emoldurado por um verde exuberante. Musas da arte sopraram através dos mares misteriosos às mentes de nobres artistas até a nova capital do império português. Tal encontro só poderia surgir nessa terra privilegiada, isolada entre o mar e montanha, que chamamos São Sebastião do Rio de Janeiro. O encontro entre a arte acadêmica e as forças ocultas que nascem do povo: no caso, um povo mestiço, matizado com tons nativos e africanos. Somente aqui seria possível conceber tal mistura, entre a acadêmica arte e a espontaneidade dos mais calorosos corações.

Rapidamente, a força desse cenário captura a alma de Debret, que eterniza em aquarela a diversidade desse novo mundo que surgia. O olhar do talentoso artista foi enamorado pela beleza local e pelo esplendor de nossa mestiçagem. Em suas pinceladas, registrou o cenário da capital do Império, com todos os seus contrastes. Impossível ficar indiferente aos cânticos vindos das ruas, onde o entrudo tomava as praças em dias de festejo carnavalesco, como um cronista visual buscava o exótico, o cotidiano, os viveres dessa gente. Sua obra testemunhava a fluência do encontro de nossas matrizes culturais. Um Rio onde a negritude predominava caminhando por um cenário de arquitetura colonial.

Com o passar dos anos, as primeiras gerações de artistas acadêmicos brasileiros são formadas. Em suas obras, davam vida e cor a importantes passagens da história nacional: momentos de esplendor da corte, cenas de batalhas e a glória do exército ganham contornos épicos na visão dos artistas. A figura do índio surge nas telas como herói nacional. Era nos grandes salões anuais que eles expunham o resultado de seus estudos. Os que mais se destacavam nas competições eram premiados com medalhas e recebiam uma bolsa para completar seus estudos em renomados ateliês da Europa. Ao retornar ao Brasil, postulavam a vaga de professor titular ou substituto. Gradativamente, a primeira geração de mestres estrangeiros era substituída por brasileiros.

Os princípios franceses de igualdade norteavam essa transformação: sem restrições, a Academia se abria a receber os estudantes, independentes de sua origem social ou da cor da sua pele. Um exemplo disso foi a importante presença de Estevão Silva: negro, filho de escravos, que chegou a rejeitar publicamente uma premiação das mãos do Imperador, que não fazia jus ao seu talento. Passo a passo, a Academia vai se entrelaçando com o Brasil, como raízes firmes que abraçam o solo, se misturando a ele e extraindo sua essência. Impossível não se deixar levar pela grandeza deste verdejante país. O calor dos trópicos e a luminosidade seduzem o olhar dos artistas, sensibilizando sua paleta para os infinitos tons que nossa paisagem é capaz de produzir. A natureza brasileira “não cabia nos manuais”. Era preciso levar o cavalete até o bosque e se permitir sentir a mensagem que ecoava da mata, advinda dos troncos, dos riachos, das flores e do canto dos pássaros.

A cada geração a Academia buscava mais e mais uma identidade nacional, trazendo para o foco dos artistas o cotidiano, o folclore, as causas sociais e políticas. Sobretudo, a Escola se permitia vivenciar ares de modernidade e inovação, trazendo ao âmbito das discussões plásticas as transformações da sociedade. Os tipos brasileiros, o caipira, o interior – os caminhos vão se abrindo e a mentalidade começa a mudar.

A estética mudou… As técnicas mudaram… Os temas mudaram… Novas linguagens são incorporadas… A cultura popular se torna objeto de estudo e reflexão dos artistas e intelectuais. Com o passar dos anos, a Academia foi se transformando, sem jamais abrir mão de sua importância e seu papel. Os salões da tradicional escola se abrem para a modernidade, que cresce vigorosa como uma árvore que se ergue ao futuro, mas com raízes fortemente fincadas as suas origens.

Nessa terra de misturas raras, a bagagem clássica se entrelaçou nas folhas das palmeiras, no canto das lavadeiras, se coloriu com os tons da alegria e se fez carnaval. Basta olhar para a natureza do nosso povo para fazer crer que a missão desta Academia era ser popular. Ainda no começo do Século XX, o professor Rodolfo Amoedo tomou o pincel e emprestou sua arte ao estandarte do Ameno Resedá: um lampejo de um grande casamento que viria a seguir. Salve o casal Nery, professores pioneiros na aproximação desses dois mundos, trazendo a viagem pitoresca de Debret ao Salgueiro de 1959! Salve Mestre Pamplona, que, com a benção de Campofiorito, realizou esse encontro entre os filhos da Academia e a arte do povo, guiando uma geração inteira de artistas para as escolas de samba nos anos 60 do Século XX.

O clássico e o popular encontram abrigo no carnaval. Desde a chegada da Missão em 1816 até hoje, o tempo moldou a Academia e abriu suas portas à cultura nacional. O barracão da escola de samba tornou-se um grande ateliê, onde arquitetos, pintores, desenhistas, figurinistas, realizam todos os anos a “missão” de criar e recriar a fantasia do carnaval. É missão da São Clemente, uma escola essencialmente carioca, eternizar na passarela esses mais de 200 anos de arte e cultura dessa instituição moldada e emoldurada pelas curvas sinuosas do Rio de Janeiro, que, amorosamente, carregamos em nosso pavilhão.

Foram grandes as barreiras e desafios vencidos. Até mesmo o fogo que atingiu a sede da EBA (Escola de Belas Artes) recentemente não tem o poder de apagar sua história. É das chamas que ela há de se reerguer, como uma Fênix que renasce: “quem chorava vai sorrir”.

Nessa ópera carnavalesca, nossa escola honrosamente apresenta sua tese, para ser avaliada pela banca popular, saudando a história da Escola de Belas Artes. Nossa defesa é o próprio desfile em si: ao adentrar a passarela em 2018, a escola de samba da Zona Sul será a grande confirmação de que era destino da EBA dar as mãos ao povo em forma de um carnaval Academicamente Popular. ”






“Corra que o futuro vem aí!”
Resumo

De onde viemos? Aonde vamos? Como escolher o futuro que queremos? A Vila Isabel quer traçar uma trajetória de descobertas e invenções que nos trouxeram até aqui. E que podem nos levar ainda mais longe. Depressa, tomem seus lugares. Preparados? A Vila vai partir! Vamos saber, juntos, o que ainda somos capazes de construir. Mas, para encontrar as respostas, precisamos começar olhando para o passado. Desde o início da história, estamos inventando o futuro, e, todos os dias, damos um passo em sua direção. Então, como nossos antepassados criaram o mundo que conhecemos hoje? O que descobrimos que fez com que chegássemos onde estamos? E o que seremos capazes de inventar ainda para revolucionar nosso futuro?

E fez-se a luz!

Os primeiros habitantes do planeta viveram por muito tempo nas trevas, em um mundo perigoso e hostil. Há milhares de anos, estávamos sozinhos e na escuridão, até que começamos a aprender a controlar a natureza. O fogo foi a maior conquista do homem pré-histórico. Depois, descobrimos como carregar aquela luz e clarear os caminhos. E fomos evoluindo ao longo do tempo, inventando outras maneiras de transformar o conhecimento. E, se hoje iluminamos cidades inteiras, foi porque no passado um de nós teve uma ideia brilhante.

Gira mundo sem parar

E quem de nós fez o mundo girar? Uma nova era de mudanças surgiu quando criamos a primeira roda, utilizada na agricultura e em outras atividades. Passamos a produzir engrenagens que aumentam ou diminuem a velocidade. Ganhamos potência e resistência para levantar peso, fixar e deslocar objetos. E começamos a mover moinhos, movimentar as águas e controlar as horas, os segundos… Que surpreendente pensamento inventou de contar o tempo para a vida acelerar? Inventores extraordinários sempre contribuem para mudar nossas vidas com descobertas que nos levam a disparar em direção ao futuro!

O mundo na palma da mão

Para entender o presente e pensar o futuro, não podemos deixar de observar como nasceram os primeiros registros em barro, que, com o passar do tempo, deram origem à escrita de diferentes povos. E, quando surgiram os números e aprendemos a matemática, criamos invenções fantásticas, que multiplicaram nossa capacidade de somar. Letras e números inspiraram outra revolução na história da humanidade: a invenção da imprensa! Os livros impressos facilitaram a criação do futuro em todas as áreas e ganharam o mundo. A comunicação se expandiu, mas foi através do telefone que nos aproximamos ainda mais uns dos outros. Quanto mais avançamos, menores se tornam as distâncias entre nós. Em busca desse objetivo, inventamos a linguagem dos computadores. As primeiras máquinas eram enormes, mas em pouco tempo caberiam na palma de nossas mãos. Hoje, nos comunicamos em rede com pessoas de todo o planeta, com apenas um clique, de qualquer lugar. Estamos mais uma vez no limiar de uma nova era.

Som e imagem em ação

E pensar que tudo começou em torno da luz, um fenômeno fascinante que também exerce uma influência incrível na história da arte e dos meios de comunicação da humanidade. Através de inúmeros estudos, muitos procuraram como reproduzir e fixar a imagem, até dominarem a técnica da fotografia. Logo, pessoas do mundo todo passaram a registrar os momentos mais importantes de suas vidas. Algumas dezenas de anos depois, podíamos chegar a todos os lugares com a informação. A invenção do rádio e da televisão permitiu a transmissão da notícia e do entretenimento de forma imediata. Mas foi através do cinema que a imagem em movimento e o som se uniram para encantar o público. A sétima arte nos leva através do tempo a lugares surpreendentes, usando alta tecnologia na criação de efeitos especiais.

Aonde você quer ir?

Agora vamos adiante, porque algo vai acontecer que transformará nossas vidas para sempre. Outra invenção que mudou o mundo foi a bússola. No mar, na terra ou no ar, viajantes e exploradores passaram a determinar uma direção e percorrer longas distâncias, a qualquer hora do dia ou da noite. Os navegantes conseguiram dominar os oceanos, sem perder o rumo, e o comércio entre os continentes floresceu. E os mistérios escondidos nas profundezas do mar, que sempre inquietaram o homem em suas viagens, também foram revelados. Esse desejo de conhecer lugares inexplorados inspirou as ideias de inventores visionários, atravessou séculos de inovação e nos levou a dominar até o espaço. Primeiro, vieram os balões. Depois, os aviões e os foguetes. Agora, podemos navegar em busca de outros planetas, vivendo a fantástica aventura da engenhosidade humana.

Como será o amanhã?

Mas foi um longo caminho a ser percorrido até aqui. A essa altura, podemos escolher como queremos que seja o nosso amanhã. Em breve, as novas tecnologias que já estão nas ruas serão acessíveis a todos. Hoje, produzimos conhecimento capaz de criar veículos que circulam sem causar nenhuma emissão de gases poluentes e que podem ser abastecidos em casa. Atravessamos milhares de anos, procurando conhecer a natureza e, agora, descobrimos como é importante preservá-la. Sem poluição nem devastação, podemos conceber um futuro sustentável, que produza energia limpa e em total equilíbrio com o meio ambiente. Afinal, é preciso avançar na direção de uma existência em harmonia e com respeito a todos aqueles que habitam o planeta. Pronto para se conectar? Viver em cidades inteligentes, em que tudo pode acontecer, se planejarmos e comandarmos digitalmente o nosso dia? Duvida? Então, corra, porque essa revolução já começou. Nos vemos no futuro!






Meu Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão?


Velha companheira de caminhada da Humanidade. A ideia de superioridade, divina ou bélica, cobriu-a com o manto do poder. Pela força ergueu impérios e sustentou civilizações. Pela alienação justificou injustiças e legitimou a discriminação. Ganhou nome quando eslavos viraram ‘escravos’ nas mãos dos bizantinos. Dominou mundo afora, invadiu terras adentro, expandiu a ganância mercantilista e fez da exploração do continente negro seu maior mercado. Viu senhores mouros do norte africano ostentarem servos de pele alva e olhos azuis mediterrâneos, enquanto negociavam artigos de luxo e peças de ébano. Cativou povos, devastou territórios, extraiu riquezas do solo e de animais em nome de coroas europeias. Era rentável negócio até para chefes negros que a alimentavam com gente de sua gente. Levou uma raça a oferecer-lhe da própria carne. Separou famílias, subjugou reis, aprisionou guerreiros, reduziu seres humanos a mercadorias. Calunga Grande muito ouviu os lamúrios dos Tumbeiros abarrotados em sua ordem. Calunga Pequena muito acolheu os vencidos pela sua sentença. Plantou seus filhos em nossos canaviais, cafezais e minas de ouro e diamantes. Lavou com sangue negro o chão das senzalas e os pés-de-moleque das cidades. Foi senhora de todos os senhores, mãe das sinhás, amante dos feitores. Marcou com ferro os que ousavam lhe renegar, levantar a cabeça. Perseguiu os de alma indomável que corriam ao encontro do sonho quilombola. Quimeras da liberdade de uma raça pirraça fortificadas entre serras e matas que teimavam lhe enfrentar. Porém, as eras de prática envenenaram até as mais legítimas das lutas quando expuseram suas raízes humanas nos quilombos. Provocou precisa e astuta fusão entre crenças apadrinhadas pela fé, amparo do rosário das desventuras nesse benedito logradouro. Coroou santos reis e sagradas rainhas ao som de louvores batucados. Fitas da linha do tempo presente e passado. Espelhos da ancestralidade. Ouviu os ventos soprados de longe que ressoaram brados iluminados de liberdade pelas paragens brasileiras. Abolir-te foi palavra de ordem. Utopia e justiça para uns. Falência e loucura para outros. Caminho sem volta para muitos. “O homem de cor” ganhou voz pelas ruas, força nos punhos da população, para além das leis parcialmente libertadoras. Contudo, mesmo enfraquecida, sobrevivia sob a égide dos grandes latifundiários e nas vistas grossas da hipocrisia. Ferida com a ponta afiada da pena de ouro que a áurea princesa empunhou ao assinar sua redentora extinção, maquinada por uma sedenta revolução industrial de sotaque inglês, caiu. Uma voz na varanda do Passo ecoou: – Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão! Folguedos, bailes, discursos inflamados e fogos de artifício mergulharam o povo em dias de êxtase e glória. Pão e circo para aclamação de uma bondade cruel, pois não houve um preparo para a libertação e ela não trouxera cidadania, integração e igualdade de direitos. Mais viva do que nunca, os aprisionou com os grilhões do cativeiro social. Ainda é possível ouvir o estalar de seu açoite pelos campos e metrópoles. Consumimos seus produtos. Negligenciamos sua existência. Não atualizamos sua imagem e, assim, preservamos nossas consciências limpas sobre as marcas que deixou tempos atrás. Segue vivendo espreitada no antigo pensamento de “nós” e “eles” e não nos permite enxergar que estamos todos no mesmo barco, no mesmo temeroso Tumbeiro, modernizando carteiras de trabalho em reformadas cartas de alforria.





Vai para o trono ou não vai?


“… Aquela buzina pioneira de Caruaru foi atraindo outras, assim como fazem os passarinhos com suas cantorias…
Foi no caminhão verde de meu pai, qual o dragāo do meu Sāo Jorge Guerreiro, a quem sou devoto e devo todas às minhas conquistas e proteção, que a buzina tocava sem parar… Aquele era o som! O som que eu nunca mais havia de esquecer…”

– Terezinhaaa, u,uuuu!!!!!
– Grande Riooo, u,uuuuuu!!!
– VAI PARA O TRONO OU NĀO VAI?
– Eu não vim para explicar, mas para confundirrrr!!!!!
– QUEM NĀO SE COMUNICA SE TRUMBICA!…

Hoje me consideram um fenômeno, eu disse: um FE-NÔ-ME-NO da comunicação! Comigo não tem roteiro, não tem texto, nem ponto eletrônico, direção de palco, de áudio ou de imagens. Tudo é na base da surpresa. Eu mesmo produzo, dirijo e apresento. Sacou a minha sacada, rapaziada? Desconcertei as convenções, avacalhei o posudo e o empostado. Dei valor ao mambembe e ao artista genial de sempre.

– Alô Alaor, ligue o televisorrrr!!! Que vai começar mais um programa, da TV GRANDE RIO!

Gosto de inventar coisas que não passam pela cabeça de ninguém. Coisas como um disco telefônico sobre uma roupa de jóquei. Eu me visto de bailarina, anjo, palhaço, Napoleão ou Zorro. – Para o Chacrinha não tem figurino, Seu Nicolino! Tudo cabe e tudo pode acontecer. E aconteceu na roda viva do tempo. As novidades vinham chegando, novas vozes mudaram o panorama da música popular brasileira. E eu captava tudo, foi assim com a Jovem Guarda:

-Vocês querem a cueca do Roberto Carlos?????
“…Dizem que sou louco por pensar assim
Se eu sou muito louco por eu ser feliz
Mas louco é quem me diz
E não é feliz, não é feliz…”- (Os Mutantes)

– Sou o pioneiro da loucura! O papa da Tropicália. Com a minha visão e faro, percebi que eu já era um tropicalista antes mesmo de o movimento surgir. Juntando Iracema e Ipanema, guitarra elétrica e Vicente Celestino. Eu já sabia daquilo e assinei embaixo. “Alegria, Alegria!!!” Era um bordão que eu bolei e o Caetano aproveitando o lance, fez a canção.

– Alô, ê! Alô, ê!
“…Chacrinha continua balançando a pança
E buzinando a moça e comandando a massa
E continua dando as ordens no terreiro…”

Nos meus programas havia espaço, liberdade cênica e incomodava os conformistas e os conservadores. Viva a Tropicália, Superbacana, o Domingo no Parque e os Mutantes. Viva o Rock e A Seresta, o Coração de Luto e os discos voadores! O Brasil arcaico e o moderno! Viva as bananas ao vento e o iê-iê-iê, o colar africano e a roupa de plástico. O estampado indiano e o espelho na testa. Viva a geleia geral brasileira! E aquele abraço pra quem fica… Que eu vou em frente como o velho do pastoril pernambucano, fazendo pilhéria, buzinando a moça e comandando a massa na Buzina do Chacrinha. Viva a vaia, seu Maia! E o calouro que pisa atordoado atrás do microfone que mudava de lugar a todo instante, enquanto a chacrete, com seu colante cavadão faz um show sensual ao som do tema da Pantera Cor de Rosa. É demais!…

– Mas como vai, vai bem? Veio a pé ou veio de trem?

E eu repito Dona Maria: nem tudo na vida é poesia. Enquanto o Chacrinha dorme, o Abelardo perde o sono com o fantasma do Ibope! Eu não sabia nada sobre boletins, planilhas, índices de audiência das classes A,B,C,D e Z. Eu era uma zebra, ó inocente, mas como de bobo não tenho nada, meu camarada, finalllmente, finalllmente eu aprendi como funciona o negócio. E é ai que entra Dona Florinda, a espiã que me amava. Ela espionava tudo para mim, enquanto eu me concentrava nos mais de dez programas que eu produzia por semana para a rádio e TV. Dona Florinda anotava, gravava, lia e me informava sobre tudo o que estava acontecendo pela mídia e de quebra criticava o Chacrinha quando o programa ia mal e elogiava quando tudo corria bem.

– Vocês querem abacaxi? Vocês querem o Orlando Silva? Ou a calcinha da Wanderleia?

Cheguei com a cara e a coragem, um mero desconhecido, quase sem dinheiro, e agora seu Zé? Tinha que me virar no Rio de Janeiro. Mas como dizia Dona Luzia, “tudo melhora um dia…” E melhorou. Isso é pouco? Eu não sou cachorro não! Apenas criei uma grande confusão nas ondas do rádio e nos canais de televisão.

Comunicação pra mim é juntar, ligar e virar tudo de cabeça pra baixo. Mas rrreallmente, rrrealmente tudo começou no rádio. O tímido Abelardo Barbosa, de voz anasalada e péssima dicção, ganhou sua outra metade, o velho palhaço Chacrinha, graças ao Cassino, meu programa radiofônico que se irradiava de uma pequena Chácara, uma Chacrinha em Niterói. E que foi ganhando audiência em outros estados e até fora do Brasil.

-Eu disse do Brasil varonillll, ouviuuu!

No “Cassino da Chacrinha” éramos eu e um contra-regra. Ali eu criava o ambiente de um cassino imaginário, com roletas, fichas, música tocando, panelas, apitos, grã-finos chegando e artistas dando a pinta. Eu descrevia as roupas que estavam usando, tudo muito estapafúrdio e absurdo para a época. Até o cheiro dos perfumes que invadiam o cassino. O ouvinte via, sentia e sonhava nas noites quentes e frias quando o rádio unia as pessoas e quebrava as solidões noturnas.

“Não, não é sopa não, seu Antão!”

– Roda e avisa! Quem vai pro trono? É o abacaxi? É o bonitão? É o fanho? O gago? A perua? A dondoca? A patroa? A empregada? É a voz afinada ou a cana rachada? Eu quero tudo na mais perfeita confusão, enquanto a plateia aplaude ou vaia o cachorro mais pulguento, a comerciária mais simpática, a criança mais bonita, todos do Brasil em seus poucos minutos de fama. E a Buzina é uma loucura, celebrando a vida, as datas e os eventos. Salve São Cosme e Damião! Salve o coelhinho da Páscoa! Salve o Sete de Setembro! O Dia dos Pais e das Mães! Salve você também, Seu Araquém!

– E Viva o Carnaval! Porque afinal, ninguém é de ferro!!

Estou a caminho de meu camarim e enquanto vou deixando o Chacrinha para trás… – Que rei sou eu? – O rei está nu, completamente nu, no programa que acaba quando termina…

Sou nordestino de Surubim. Trabalhei no armarinho do meu pai e na pensão da minha mãe em Recife. Fiz três anos de medicina e não segui. Viajei de navio para a Europa como baterista de Jazz e a Grande Guerra me trouxe de volta. Vejo ainda brilhar a luz derradeira de minha querida Recife, onde tudo me inspirou. E vou seguindo, ouvindo o belo frevo cantado por Alceu Valença…

“Roda, roda, roda e avisa
Que a alegria explodiu no ar
O velho guerreiro sorrindo
Subindo, subindo foi pro céu brincar
Roda, roda, roda que a vida
É um sonho que vai terminar
O bom palhaço não chora
E vai embora sem explicar (BIS)…” (Alceu Valença)
– Ô Maré!






“Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco”
“Este samba é pra você
Que vive a falar, a criticar
Querendo esnobar, querendo acabar
Com a nossa cultura popular (…)
Fronteira não há, pra nos impedir
Você não samba, mas tem que aplaudir”

(Sereno, Adilson Gavião e Robson Guimarães)

Com polvilho, farinha sem valor, limão de cheiro e água de bica, vou brincar no molhado que decretará o início do meu carnaval. “Minhas vergonhas” eu cubro com papel barato e lanço a fantasia no vai e vem das ondas do mar. A “pancada no couro” de dois ou três tambores ressuscitarão um Zé Pereira que arrastará a multidão. Mesmo “com o bolso furado”, que “o sapato aperte” e que a “corda esteja no pescoço”, em qualquer esquina que junte gente irmanada, em qualquer batuque de mesa de bar, em qualquer palma de mão, em qualquer “laiá laiá”, em qualquer pé descalço que sambe no chão, vive o carnaval e a liberdade da minha gente. Em qualquer botequim, ao redor de qualquer mesa que reúna meia dúzia de bambas, na rima improvisada de um partideiro, no couro que faz vibrar tantãs e pandeiros, fundo a sede de uma Escola pra tanta gente que tem sede de sambar.

Se o botequim é a nossa sede, a rua é o nosso palco. Logo, a Avenida é para onde a rua deve ir. Grito no canal que desemboca na Zona do Mangue: Levanta-te, Ismael! Traz contigo os velhos bambas que, tidos como marginais, inventaram isso que hoje buscamos tomar com as mãos sujas de confetes. Vem a mim a Escola do povo! A “grade” é uma corda velha e frouxa. Clamo pelo espírito de “um” Arengueiro. “Pra vadiar, pra agitar a massa, pra atiçar e embalar a multidão.” Na linha do “vai como pode”, tudo é fantasia. À guisa de enfeite, uma lata d’água sobre a cabeça de um corpo que verga com graça. Dos morros, quero uma corte de reis e rainhas de mazelas desconhecidas. Gente que se concentre, mas pra desfilar, prefira o asfalto da Presidente Vargas. Goles de álcool e delírio inflamam Pamplona a acender a gambiarra da decoração de uma velha Avenida. Na retina dos olhos de quem vê, brilha o cortejo de tempos idos: O samba “no pó e na poeira,” “o pires na mão” , a “raça costumeira”.

No muro, em letras garrafais, um mascarado mal trajado alardeia: “A SAPUCAÍ É NOSSA!” O portão que mantém a Avenida fechada tomba. Em convulsão de riso e mordaz alegria, “gente sem colarinho” vibra como um CORDÃO tingido com as cores da carne e das fantasias de nossa gente. De assalto, e sem ensaio prévio, toma-se uma Avenida que, por ironia, marcha involuntariamente em direção a uma praça. A praça que a “massa amassada” quer tomar. Há na festa uma fresta. E, pelas frestas dessa festa, resolvi fazer meu carnaval. Derrubados os portões que separam a “rua da Avenida” vos digo: “O rei que manda na folia está nu!” Mais do que nu. Está morto! Rei morto, Rei posto. Com pressa e ânsia convoco: Vem a mim Caciques que partem de Ramos! Quero irmanados os beberrões do Bola Preta! Quero de novo “o bafo que sopra da boca da onça”! Bate-bolas suburbanos cercam entradas e saídas para estourarem bombas de confete e serpentina. Os clarins das Bandas dão o tom do “xeque-mate”. Dobram a curva que desemboca na Avenida os travestidos. Os estandartes de muitos blocos. Os afoxés. Gente que já veio e não vem mais. Gente que nunca veio e sempre quis vir. Um baile a céu aberto de foliões cheirando a álcool e a suor. Que pintam e bordam. Que deitam e rolam. Que cantam e dançam fazendo do samba um “pagode”, de um “pagode” uma mensagem, da mensagem, a redenção: “é o povo, quem produz o show e assina a direção.”

Por hora, não sou mais o desfile de sempre. Não sou mais a Escola que fui. Rasguei a minha fantasia. Deixo nua a verdade daquilo que sou: Sou um Bloco de sujo que desfila sem governo e que as mãos não podem me botar cabresto. Sou um Arlequim de cetim ordinário. Sou um Diabinho sem capricho. Um pierrot em desalinho. Um Mascarado “mal ajambrado”. Uma Colombina sem posses. Um mandarim que o sapato furou. “Mandei às favas a ordem”; desprezo as filas; “não dou bola” à renda investida; ao governo; ao órgão oficial; a TV – se liga, ou se desliga.

Acendo aqui um rastro de pólvora e confete que anuncia a Mangueira que virá. Quem ficar, que se segure. Faz tempo, me disseram, que “a madeira de dar em doido é jequitibá.” Pergunto-lhes: Quem há de impedir a Mangueira passar? Zombando, sorrio, e sigo cantarolando: “Olha o bloco de sujo…Que não tem fantasia…Mas que traz alegria…Para o povo sambar….Olha o bloco de sujo…Vai batendo na lata…Alegria barata…Carnaval é pular”.






"Namastê… A estrela que habita em mim saúda a que existe em você"



Carnavalesco e autor do enredo – Alexandre Louzada
Autor da sinopse – Fábio Fabato

Introdução

O início, o fim e o meio, quando olhamos para o alto, são as estrelas. Aqui e em qualquer lugar do planeta. E é junto delas que mora Kamadhenu, divindade que toma a forma de uma vaca sagrada e flutua na agitação do oceano cósmico, mãe celestial, provedora da abundância. Segundo os escritos hindus, lá de cima, com suas tetas abençoadas, jorra o leite, alimento primeiro da vida, e consegue realizar todos os sonhos. Bem, o início, o fim e o meio dessa história são formados por encontros que parecem escritos justamente nas estrelas. A partir da Via Láctea, chamada de rio Ganges do céu, desce o líquido da inspiração que irriga nossa escola e torna possível o congraçar de duas terras. A bênção para o casamento começa no deus Brahma (início), então adormecido no azul, e que desperta para conceber o universo todo. Depois, aparece Vishnu (meio), a energia mantenedora dessa criação esplendorosa. Shiva (fim), o deus da transformação de todas as coisas, a dança das possibilidades do destino, energia que movimenta a invenção e a destruição do que existe, completa a Trimúrti, trindade suprema que nos abre alas – à moda do que acontece nos terreiros de samba. Eis a permissão superior para rufarem os tambores de nossa festa, com Rama e Sita nos cuidados para a perfeita harmonia, e Ganesha, força contra os obstáculos, sinalizando evolução livre nessa Avenida da utopia real. Hora de abrir a cortina do passado.

Sinopse do enredo

Namastê… A estrela que habita em mim saúda a que existe em você E vem então a clássica cena do navegante vidrado no mar a ser desbravado. O início, o fim e o meio da jornada rumo ao desconhecido, ao lado das estrelas, eram águas salgadas e bravias, a primeira imagem, e também a derradeira, a dobrar a curva imaginária lá no horizonte. Ele se jogou. Por descuido ou conveniência, o português errou o caminho rumo ao oriente na rota das especiarias e foi dar, vejam só!, no litoral brasileiro, redescobrindo o já descoberto por aqueles a quem, preguiçosamente, resolveu chamar de índios. Velas ao vento, sem saber ou muito sábio (vá saber…), enamorou as partes “Índias”– religiões, formações, culturas, desigualdades sociais e independência suada – unindo-as, mesmo que com oceanos de distância. A pluralidade de tais extensões permitiu a incorporação de valores, sabores, olores, salpicando estilo indiano no cenário indígena natural. Já que sem a Índia talvez nem houvesse este Brasil de agora, foi saudação fluida, gostosa, num troca-troca de peculiaridades que se tornaram jeitinhos nossos. E o tempo tratou de gravar n’alma.

“Namastê!”, a essência estrelada que habita em mim saúda a que existe em você. Apesar de significar cumprimento, a expressão encantou-se com a intenção de reconhecer o ser que existe no outro. E este Pindorama tropical, convidativo e miscigenado viu brotar por cá um pouco mais de poesia e identidade do que nos ensinam no colégio. Se daquela enorme porção de Ásia ecoavam histórias de guerras, conquistas e amor – como a do palácio de pedras preciosas que virou a mais bela prova do sentimento de um monarca por sua escolhida – por aqui também brilhavam sagas verdadeiras ou fantásticas. Sim, os nossos índios adoravam astros, transmitiam lendas, e havia no ar um etéreo enlace geográfico já em flor. Prima-irmã da asiática flor de lótus, adereço de Brahma, a vitória-régia nasceu da paixão da índia Naiá por Jaci, ou Lua, obra divina de Tupã – o trovão supremo da criação, sopro da vida. A partir de encontros assim entre crendice e realidade, e que redesenhavam – várias vezes à força –, a natureza genética, social e econômica da terra antes virgem, aconteceu o primeiro beijo com a Índia. E ele deixou um gostinho doce nos lábios.

Fato é que a cana-de-açúcar veio encantadora de longe, ganhou status de grande riqueza agrícola, motor do Gigante inda menino. E aí, sem doçura qualquer, mas de um azedume dos diabos, impôs a estrutura desigual da sequência – escravocrata por desviado princípio. “Ringe e range, rouquenha, a rígida moenda” e, daqueles arranhões e ruídos que arrepiavam o engenho, saíram o açúcar, a garapa e, como não?, a boa e velha pinga, fino da nossa bossa. Além disso, a Colônia iria conhecer o poder das joias, da seda, danças, e um curioso cheirinho bom que enfeitiçou o cangote da nobreza. Deu em revolução na moda das sinhás que andavam sobre liteiras, algumas inspiradas no transporte da elite indiana. O sândalo perfumou os leques que, no vaivém para espantar o calor do Verão naquele precário e apaixonante chão, sopraram nova essência para os movimentos históricos. E a chita virou marca, tecido porreta, o belo e o feio no país que nasceu contraditório. Transitou na corte, no baixo clero, virou discurso de quem tanto quer causar quanto desaparecer na multidão, a depender da estampa. Vestido de princesa ou toalha de mesa, madame? Mas foi justamente à mesa a maior das delícias do matrimônio que nos inventou, reinventou e, é claro, danou de também recriar o que veio de tão longe. Impossível não notar que a culinária brasileira versa sobre a nossa cultura tal qual a música, os pincéis, os corpos em balanço. E a Índia não se intimidou quando convidada a invadir o cardápio.

Ora, o comércio das especiarias nos entregou, no começo de tudo, a pimenta-do-reino, a noz-moscada, o gengibre, o cravo, a canela. Ou seja, nascemos assim, crescemos assim, somos mesmo assim, vamos ser sempre assim – plenos de sabores e aromas que inspiram a arte e os costumes. “No tabuleiro da baiana tem… Vatapá, caruru, mungunzá, tem umbu pra iôiô…”. E quem há de negar que a Índia foi incremento para este paladar eternizado na voz de Carmem Miranda? Já as frutas indianas viraram autênticos discursos de um Brasil que, mais à frente, se quis grande e bronzeado para mostrar o seu valor. As nossas morenas ganharam cor de jambo na praia, o coco – da cocada, cuscuz e dos manjares – virou Aquarela, dádiva do tronco forte aonde Ary Barroso amarrou a sua rede nas noites claras de luar. Mas nenhuma outra nos fez a República que viramos, de democracia ‘vezenquando’ vacilante, quanto a banana. Yes, nós temos! Para dar, vender, engordar e, quiçá, crescer. Inda houve três árvores asiáticas que, de batuque em batuque, quem diria?, deram o toque de mestre à receita do carnaval. A mangueira inspirou certa supercampeã Estação Primeira, do verde e manga-rosa inconfundíveis. E o “Corta-jaca”, de Chiquinha Gonzaga, que escandalizou os conservadores quando executado no Catete? Sim, ele é filho da mesma jaqueira que encantou o voo seminal da Águia Altaneira de 22 carnavais vitoriosos. Para completar, um obrigado do fundo do nosso quintal para quem, à sombra da tamarindeira, caciqueou por dias a fio e, incansável, só foi parar na cinzenta quarta-feira.

Já esta brincadeira não cessa agora. Prepare o seu coração pro que eu vou contar: bem mais de século faz que, sob o mesmo signo da transação com temperos, o boi Zebu indiano também cá desembarcou, sujeito e predicado, valioso de tudo. Corcova alta ou cupim, cabeça no lugar, sábio fazedor-pensador da vida, em nosso pedaço se pôs até a filosofar sobre os homens – estes que, coitados, não sabem ouvir “nem o canto do ar, nem os segredos do feno” – incapazes, portanto, de perceberem outro ambiente, que não o da própria razão. O Zebu, pelo contrário, fez daqui o seu novo mundo, virou brasileirinho, cultura popular, economia vigorosa e até poesia matuta. Quem não sabe do formigueiro que picou o animal preguiçoso que só queria ‘cuchilá’ à sombra do juazeiro? Do rio Ipojuca, mestre Vitalino consagraria o boi que veio da Ásia na arte sertaneja, forjando e cristalizando do barro, com as mãos, a imagem de um torrão do Nordeste que escorreu aos quatro cantos a partir do fuzuê da feira de Caruaru. Sagrado para quem fica do outro lado do mar, o bicho à brasileira é Guzerá, Indubrasil e, na criatividade das manifestações, Mansinho, de Mamão, Bumba-Meu-Boi, Boi-Bumbá, ah…, e o que mais a imaginação dessa gente puder tratar de misturar. Eis aí o nosso charme. E também destino. Indeléveis.

Mas destino mesmo é o de sermos independentes, tal qual a Mocidade, assim eternizada em pia batismal, palco desse casamento sem fronteiras aqui. Gente é pra brilhar, para ser livre pelas veredas concretas da paz, sábia senhora, via dos inquietos, dos sonhadores, dos inconformados diante da desordem das coisas e desse mundo louco. A desobediência civil pacífica do líder Mahatma Gandhi, que encontrou no calor da resistência não armada a senha da liberdade de seu país, foi semente, perfume e tempero indianos de senhora pregnância. E ressonância. Viramos, e fomos, e somos, e seremos todos Filhos de Gandhi, cujo Afoxé exubera axé, e filhos do axé de nossos próprios mensageiros de luz nacionais. De Betinho, com quem sonhamos em regresso no barco da volta, passando por Gentileza e sua urbana poesia naïf saída do fogo, até Mãe Menininha do Gantois, Chico Xavier, Chico Mendes, Dom Hélder Câmara, Abdias do Nascimento, Irmã Dulce, Mãe Beata de Iemanjá… Tantas, tantos. Pinta o rosto, meu amor, igualzinho ao que ocorre no milenar festival Holi, das Cores, na Índia, que celebra o triunfo do bem sobre o mal. Chama todo o pessoal e manda descer pra ver: hoje é carnaval!

Nesse fraterno banho-ritual de mitos em águas de aproximação, Ganges então se funde com outro rio em igual medida abençoado, nosso Rio de Janeiro, mas também de fevereiro, março, abril – do famoso requebro febril – semeado pela velha Guanabara mater por onde um dia desembarcou o navegante que partira com olhos de cobiça. Assim, voltamos ao começo, à descoberta que se tornou mescla, e a história faz um círculo descrevendo a simbologia da mandala, no girar da roda do tempo que nunca para. Eis o completo entrelaçar de mensagens, sonhos e sagas de dois povos, Brasil e Índia, sob o cuidado atento de alguém que, sagrado e superior, inclusivo e sincrético, nos legou justamente a mensagem dos citados pacifistas e o autoconhecimento para decodificarmos a gramática percussiva dos nossos corações, por vezes tão vagabundos. Foi um profeta Maluco Beleza que nos contou certa vez sobre este ser divino que é em si filosofia de vida para quaisquer recantos e crenças, sob formas, feições e tambores variados. Alguém que, feito da terra, do fogo, da água e do ar, tudo vê e, mais longe: tudo é. A luz das estrelas, a cor do luar, a mãe, o pai, o avô. O filho que ainda não veio. O início, o fim e o meio.

Fábio Fabato

SETORES
1) Eram os deuses abre-alas…
2) Segredos de uma “Índia” com bons selvagens
3) Colônia lusitana com fragrância asiática
4) Identidade e poesia em mesa farta
5) Nosso boi brasileirinho
6) Gandhi e os mensageiros da paz

“Enredo dedicado ao Movimento Autofagia Independente, que despertou ainda mais a essência que habita em mim para a essência da Mocidade.” (Alexandre Louzada)

“Texto dedicado aos Trindades da Mocidade, figuras e energias que criaram, mantêm e encantam os destinos da escola…” (Fábio Fabato)










domingo, 10 de dezembro de 2017

Reservas de Frisas_ Grupo Série A _ dia 12/12



Reservas de frisas para o Carnaval 2018 da Série A começam em 12 de dezembro


A Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Lierj), em parceria com a Central de Atendimento e Vendas da Liesa, inicia no dia 12 de dezembro o período de reserva de frisas para os desfiles de sexta-feira e de sábado de Carnaval da Série A para 2018.
Os interessados em adquirir um box de seis lugares devem enviar um fax para o número (21) 3032-0099, a partir da data estipulada, entre 9h e 13h, com as seguintes informações: nome, CPF, telefone para contato, setor pretendido, fila de preferência (A, B, C ou D) e data do desfile (sexta-feira, sábado ou ambos os dias).
As frisas em todos os setores, na fila A, custam R$ 1.200, enquanto o espaço nas filas B, C ou D saem a R$ 750.
A relação com os contemplados estará disponível no dia 19 de dezembro através do telefone (21) 2233-8151. Os pagamentos devem ser realizados nos dias 20 e 21 de dezembro na Central de Vendas, que fica na Rua da Alfândega, 25, lojas B e C, no Centro, entre 10h e 16h.
Já as vendas de ingressos de arquibancadas estão previstas para janeiro de 2018.
Outras informações podem ser obtidas através do telefone (21) 2233-8151


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